10 de abril de 2017

Sim, eu tenho um anjo da guarda disfarçado de irmã

Engraçado, sempre a tratei por mana, ela sempre me tratou pelo nome. Coisas de irmãs mais novas, temos 18 meses de diferença.

Quando nasci, ainda na maternidade, pregou-se ao meu berço com uma espécie de cola tudo, e não deixou que ninguém se aproximasse.

Mais tarde, mas pouco mais, conta a mãe que, durante um jantar de amigos em casa, foi ao quarto, agarrou-me por baixo dos braços, virou-me para a frente e apareceu no meio da sala comigo ao colo.

Pela idade, entrava nas escolas sempre um ano antes de mim. Popular, preparava-me o terreno. Era a “irmã da Patrícia” e isso dava-me um estatuto superior e uma vantagem à partida.

Tínhamos muitos amigos, uns em comum, outros não, mas eramos a melhor amiga uma da outra. E não por termos os mesmos gostos, porque eramos muito diferentes. Ela, uma desportista. Eu, nem por isso. Saltava ao elástico como ninguém. Eu, “enrolava-me ao elástico”. Ao fim de semana, o nosso pai pegava em nós e levava-nos a ver jogos de futebol entre equipas pequenas, de 3ª divisão, em campos em que a terra era batida e sem bancadas. Ela ia feliz, eu ia porque sim. Vestidas de igual, quase sempre de cores diferentes.

Lá no bairro chamavam-nos as “irmãs Metralha”. Não foram poucas as vezes que os vizinhos se queixaram à mãe, assim que a apanhavam a entrar na rua, ao fim do dia. Ou eram as corridas em casa que rebentavam com os candeeiros do teto da pobre da D. Leonor, ou ideias mais criativas como atar os cintos dos “robes” que a avó Olinda nos dava todos os Natais – que comprava na banca da amiga que tinha no Mercado de Alvalade, para nós, irmãs Metralha, "a Nariguda" -, prendê-los à maçaneta da porta do Sr. Amaro e da D. Susana (2ª direito e 2ª esquerdo, respetivamente), tocar às campaínhas ao mesmo tempo, pisgando-nos de seguida. As portas, claro está, não abriam. E nós delirávamos com o cenário. Ao fim do dia era certinho: queixa à mãe Teresa.

E assim vivemos a infância e a pré-adolescência, sempre à procura de "novas vítimas".


Aos 15 a vida trava a fundo. Sai de pista, bate no raile, amolga-se, mas volta ao sítio. E nós sempre ao lado uma da outra. A partir dali, de duas passámos a uma.

Aos 29, nova travagem da vida. Desta vez, derrapa, capota várias vezes. Não comeu, emagreceu, passou os dias que se seguiram numa espécie de stand by interior, à espera de voltar a poder carregar no play.  Mas nós, sempre ao lado uma da outra. 

Hoje assobio o “nosso assobio”, ela vem à varanda, do outro lado da rua, e eu digo “traz-me o casaco verde e o anel das pedras!”. Ela vai à rua com o Chico, assobia o “nosso assobio”, eu apareço na varanda e fico a vê-los a entrar no pinhal.

O plano é envelhecermos as duas, marretas. Quem sabe em Alvalade. O bairro que nos viu crescer será o que nos verá morrer. Ela velha seca, eu velha gorda, mas felizes. E juntas.

Feliz Dia dos Irmãos, mana. <3


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