O Sr. António, que gosta de ler e que guarda na
sua saca velha 3 livros que alguém lhe deu. Está a acabar o último. A jovem de 20 e
poucos anos, grávida de 8 meses, que mais uma vez se zangou com o pai do que
ainda nem nasceu. O que não vai para lado nenhum sem o seu cão. Aquele a quem passamos o saco do pão, mas que o deixa escapar da mão. A mesma que, antes do provável AVC, conseguia agarrar aquilo que mais falta lhe faz. O que
se apaixona com facilidade. O que apanha mentiras porque as conhece como
ninguém. O estrangeiro. O jovem envergonhado. O menos jovem, igualmente
envergonhado. O roto. O bem vestido.
Várias histórias, vários protagonistas. Todos diferentes, mas todos com o mesmo olhar. O
olhar de quem não vive mais do que um dia de cada vez. O olhar de quem não sabe
se para a semana tem uma vida. Nem que seja aquela estranha forma de vida.
Nunca tinha estado tão perto do submundo. Sabemos
que existe, já todos nós o vimos, quanto mais não seja pela televisão. Mas
assim, de perto, mergulhada nele, nunca. E com ele entranhado, muito menos.
Passei o dia a pensar no meu fim de dia. Se ia
conseguir articular uma palavra. Se devia articular uma palavra. Se me ria, se
fechava o sorriso. Se tratava com mais ou menos carinho. Se ia ser bem ou mal
recebida. Se isto seria um capricho ou um dever.
21h30. Gare do Oriente. Mas a parte da Gare que só
conhece quem sabe o que ali se passa. No fim do túnel. Perto do último acesso à
rua. Primeiro, poucos. Com o passar dos minutos, tantos.
Cobertores, mochilas, sacos, carrinhos de
supermercado. Caras estragadas pelo tempo. Pelo sofrimento. Pela falta. De tudo. De sorte.
Fazem fila. Olham para dentro das caixas, e para quem
ali está sobretudo para dar o que tem nas mãos. Para os que, mesmo depois de
um dia de trabalho, se partilham com eles.
“Pão de azeitonas, pão de hambúrguer ou pão
simples?” “Iogurte?”. Os mais exigentes, que o gosto não se vai com a falta de
dinheiro, perguntam se ainda há com pedaços. Não há, aceitam do outro.
Atrás de mim um jovem envergonhado. Um de nós
pergunta se quer uma refeição. Responde com um encolher de ombros que esconde
fome.
Fico nos sumos. Mas não encho os copos porque tenho
medo que me tremam as mãos. “Quer um?” Quase todos dizem que sim. “Obrigado e
saúde”, respondem.
A minha cadeira suscita curiosidade. São vários o
que me perguntam o que me deixou assim. Explico com a simplicidade possível e de
quem não está ali para ter atenção. Passo à frente.
O cão de um dos sem-abrigo não me larga. Quer
festas mas nota-se que tem as do dono com fartura. “Trate-o sempre bem”, peço-lhe. “Ele é que me trata bem a mim”, responde-me com generosidade. E
inteligência.
A fila não parece acabar. Mas há jantar para
todos. De vez em quando oiço um “Marta, tudo em cima?”. É o coordenador, que se
divide entre a distribuição de um prato quente e o aperto que sabe que sinto no
coração.
Depois de comerem, voltam para os muros da Gare,
que lhes serve de cama. Estendem as mantas, reúnem o pouco que lhes pertence.
Falam pouco. Falar de quê...?
Já passa das 23h. Acomodam-se como podem. Aninham-se. Viveram mais um dia. Sobreviveram mais um dia.
Olho para aquilo tudo e penso “vou mesmo voltar. E
vou levar alguns livros, para o Sr. António poder continuar a mergulhar na vida
de quem ainda tem como viver.”
A realidade é mesmo dura... e parece que cada dia é pior. Obrigado por partilhares a tua experiência. Cada vez que uma pessoa partilha uma história destas, acredito que é uma luz de esperança para que estas pessoas não caiam no esquecimento. Afinal, hoje são eles e amanhã podemos ser nós. Nunca se sabe...
ResponderEliminarSem dúvida, querida Sofia. É uma realidade aterradora, mas é verdade. Um grande beijinho.
EliminarPelo Filipe sei de ti desde esses 15 anitos, ainda bem que existem pessoas como tu.:)
ResponderEliminarPaulo Morais
Com um nó na garganta ao ler o teu testemunho... Passo diariamente neste local, perto das 8 da manhã e das 6 da tarde e todas estas pessoas já desapareceram. Raramente, passo depois das 8 da noite, mas quando isso acontece, o cenário mudou e não deixo de me espantar e de me inquietar com a quantidade de gente que faz daquele espaço imenso o seu teto... Imagino o quão difícil seja conhecer de tão perto estas vidas, mas também acredito que o bem que proporcionam com uma refeição e uma palavra não tenha preço... Coragem para continuar e regressar, Marta! Um beijinho e um bem-haja!
ResponderEliminarNão me surpreendes. Já conheço o tamanho do teu coração :)
ResponderEliminarPara seu amor te procurar.
ResponderEliminarPara seu amor te procurar ainda hoje apaixonado(a) e querendo ficar com você, conte 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1 e em seguida repita: "Bruxos e bruxinhas assim que essa simpatia eu publicar, (SOS) vai me procurar, se desculpar, pedir para me amar e falar que precisa muito de mim, ele(a) irá me ligar agora pois está pensando loucamente em mim. E me fará a pessoa mais feliz do mundo."
parabéns por esse coração. e pelo dom da palavra.
ResponderEliminartudo de bom para si. <3