A minha vida tem sido, e tentando usar aqui uma
palavrinha simpática, desafiante.
Ainda na barriga da minha mãe, uma placenta prévia ia-me
ceifando a possibilidade de sentir o mundo. “Vamos tentar salvar a mãe, que
para a filha já vamos tarde”, lembro-me de me contarem. Mas nasci e cresci, saudável.
Aos 15 anos, foi altura de um estúpido de um esquentador
me ter levado a força nas pernas. E, mesmo sem essa força, passei por cima. Renasci.
Aos 29, uma infeção numa ferida na bochecha do rabo – atenção que antes dizia “nádega” por me parecer “politicamente mais correto” mas, desculpem, a idade
trouxe com ela a falta de saco para merdices – emagreceu-me até aos 40 quilos e deixou-me a patinar
por quase meio ano. Recuperei as forças ainda hoje não sei bem como, reagi aos quilos
de antibióticos estranhos que tomei, e passei à frente. Mais um renascer, este
duro como nenhum outro. Para o corpo mas, acima de tudo, para a mente.
Os dois anos que se seguiram foram passados no fio da
navalha. Entre engordar à força, recuperar de cirurgias plásticas de
reconstrução e acreditar que o meu corpo ia aguentar o tranco. Que aguentou.
Um dia, plim!, os contratempos decidiram dar-me umas
tréguas. Depois de tantas batalhas perdidas, perceberam que, finalmente, tinham
perdido a guerra. Desistiram.
Quase 9 meses depois, regressei ao trabalho. Vendo bem, nunca o deixei a 100%, porque
não foram poucas as vezes em que trabalhei deitada na cama, na do hospital ou já em casa. Aos poucos voltei,
retomei a vida onde ela tinha, literalmente, parado. Com mais algumas
limitações, mas em bom, como diz uma amiga.
Estou livre de chatices graves há 8 ou 9 anos. Sinceramente,
desisti de contar. Aprendi a viver uma vida de prevenção. Declarei guerra às
feridas. Prometi a mim própria que nunca mais as ia ter. Posicionei-me em
primeiro lugar na minha lista de prioridades. Até de fumar deixei.
Hoje acredito que sou o fruto claro destes momentos. Para
alguns um exemplo a seguir, para outros…“preferencialmente, uma vez sem exemplo”.
Aos meus próprios olhos, sou uma mulher de coragem. Com
dias em que sinto o mundo a cair-me em cima e o chão a escapar-me debaixo dos pés, outros em que levo a vida às costas - a minha e a dos outros - mas porreirinha da vida. Dias em que acho que aguento tudo, outros em que, ao
mais pequeno toque, trau!, caio para o lado.
Mas sempre com uma certeza: se procurar bem
dentro de mim encontro, como sempre encontrei, o que preciso para seguir em
frente. Coragem.