Por isso, hoje foi dia de arrumações. É, diga-se de passagem, uma boa forma de manter a Carlota ocupada.
O que ela gosta mesmo é abrir os armários da minha roupa. Tirar tudo cá para fora, dobrar peça por peça, e voltar a guardar.
Confesso que, de vez em quando, me dá um jeitão.
Lá de dentro saíram os tops e os lenços com lantejoulas, que tanto sucesso fizeram nos tempos em que as saídas à noite pediam roupa mais arrojada.
Roupa que usava do alto dos meus poucos quilos, quando a Kapital era o nosso poiso principal.
Estávamos no início dos anos 90 e aquele era O spot.
Sextas e Sábados. Dias sagrados. Estávamos lá sempre batidas. Divertimo-nos ali durante muitos anos. Era quase uma segunda casa, uma segunda família.
No meio das roupas brilhantes, lá num canto, meio enrolada - até esquecida - uma camisola ainda mais especial. Que me fez recuar 9 anos no tempo.
Nas costas, dizia “Ao maior exemplo de força e coragem”. Engoli em seco, quando li aquilo.
Ali passei os dias mais duros da minha vida. Ali chorei de dores. Ali pendurei fotografias de quem gostava. Ali recebi os que apenas o corpo dali saía todos os dias, porque a alma ficava sempre. E ali recebi as piores notícias.
Mas foi também naquele quarto que recebi as melhores. Onde dei enormes gargalhadas e onde ganhei amigas para o resto da vida. As minhas enfermeiras. Poucas vezes nos vemos, mas sei que as marquei, tanto quanto elas a mim.
Respiro fundo, e estou de volta ao meu quarto. A Carlota entretanto vestiu a camisola. Está-lhe boa. É certo que eu estava magra na altura, mas ela também está crescida. Foi há 9 anos. Tinha 1 ano.
Despe-a, dobra-a com cuidado, coloca-a na gaveta já arrumada e diz-me “então fica aqui, por cima, para nunca te esqueceres”.
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