21 de agosto de 2013

A Marta sabe nadar yoooooo!

Quando acordei pensei “vá, Marta, prá frente com isto, pá! Levas o fato de banho por baixo e só te descascas se te sentires à vontade.”

Pelo sim pelo não, pintei as unhas dos pés. Depilei-me (a palavra é feia mas não há outra). As pernas estavam cor de leite. O tronco, cor de café. Tentei não pensar muito nisso.

Praia do Alvor. Estava cheia. E era enorme. O local era novo para mim, mas isso, de alguma forma, tranquilizava-me.
 
O sol estava a escaldar. Quando estacionamos o carro reparo em rampas por todo o lado. Estava definitivamente numa praia acessível. Passo o bar, vejo que tem wc, faço o passadiço e chego ao areal.

À esquerda chapéus de palha, à direita chapéus de palha. Em frente, uma tenda grande. Alguém nos informou de que era ali que nos devíamos dirigir. Foi o que fizemos. Eu, a mana, a mãe e a Carlota.
 
Dentro da tenda, algumas pessoas de cadeira de rodas, com os respectivos acompanhantes. Em linguagem de surfista, eram os locals. Rapidamente me explicaram como tudo se processava.
 
Vejo o monitor, rio-me para ele, ainda meio envergonhada. Nilson. Um italiano que foi viver para o Brasil com 3 anos e que já tinha andado a trabalhar pela Europa e por África. Bem-disposto, pergunta-me o nome, respondo “Marta”. Depois, se quero ir ao banho. Foi quando tremi por dentro, o estômago encolheu. Não o fazia há mais de 20 anos. Por um lado, porque as praias que sempre frequentei não tinham tiralô e, muitas vezes, mar suficientemente calmo. Mas, essencialmente, porque com o tempo me tinha desabituado de estar “despida”. Sentia-me demasiado exposta.

Pensei “cum caraças, se não for agora, não é nunca. Não conheces ninguém, todos aqui estão/são como tu, és apenas mais uma.” Respirei fundo e disse “mana, passa-me os calções de banho…”. Ela nem queria acreditar. Eu sei que estava igualmente nervosa só que não queria demonstrar. Mas feliz por mim. Ela e a mãe, que estava ainda meio incrédula.

A Carlota correu a besuntar-me com protector total. À pressa, porque queria ver-me no mar. "Quero ir lá para dentro contigo."

1, 2, 3, e, quando dei por mim, já estava sentada no tiralô. Um carrinho anfíbio, amarelo e azul - que de discreto nada tem. E lá fui eu, pelo trilho que me levava até ao mar. Alguns olhares curiosos, deitados nas toalhas. Aliás, muitos. Fingi não reparar. Concentrei-me apenas no mar, que estava cada vez mais perto. Uma piscina. Um postal perfeito. Parámos muito perto. O monitor olha para mim e faz-me sinal com a cabeça, como quem me pergunta “estás preparada?”. Também acenei com um “sim, estou, vamos a isto.”
 

Fomos entrando no mar. Já a flutuar no tiralô, pergunta-me se sei nadar. Respondo que sim, e que queria experimentar ali, no mar. Riu-se, afundou o carrinho e fez-me sinal para ir. E eu saí mesmo. Fui. Mesmo.

No areal, senti uma multidão a seguir-me com os olhos. Como a Carlota dizia “parece um programa da TVI, pá!” Virei-me de costas, olhei para o mar e pensei: já está. 20 anos depois, estava no mar outra vez. Com as ondas a enrolarem-se no meu corpo. Com o sal a ficar-me na pele. Com o sabor da água salgada nos lábios. A entranhar-se como quando tinha 17 ou 18 anos. Com a mesma intensidade. Se calhar com mais ainda, porque o meu corpo pedia-me aquilo há algum tempo.

Quando “desço à terra” percebo que as minhas miúdas estavam a aproveitar cada minuto. A Carlota sempre em cima de mim a dar-me beijos e abraços. A mana a tirar fotos. Depois guardou a máquina e enfiou-se comigo dentro de água. A mãe começou por ficar à beira da água, a tentar disfarçar o salgado das lágrimas com o salgado do mar. Depois juntou-se a nós.

Nadei, nadei, nadei. Tanto…No primeiro dia com os olhos dos monitores (no banho seguinte conheci também o Cristiano, um miúdo novo, giro, bonacheirão, com sentido de humor apurado) sempre em cima de mim. No segundo dia já me deixavam sozinha na água, sem tiralô, apenas com a minha família. Tinham percebido que eu me aguentava bem sozinha e que gostava de estar independente. Mas, mesmo dando-me a independência, nunca deixaram de ter um olho em cima de mim.

Gostava de o conseguir fazer mas a sensação de voltar a nadar não se descreve. Porque tudo o que possa dizer para caracterizar este momento seria reduzi-lo apenas a isso mesmo, um momento. E este regresso foi muito mais do que isso.

Desde miúda que praia, nadar, mergulhar, sempre foi um prazer. Sinónimo de liberdade. Com o tempo, e devido a algumas circunstâncias da vida, deixei de o fazer. Esta semana, mais de 20 anos depois, retomei. E prometo que não vou voltar a deixar escapar momentos destes.

As últimas palavras são de agradecimento profundo e vão directamente para o Nilson e para o Cristiano. Dois miúdos fantásticos que me fizeram esquecer a pele branca, a timidez, e que me ajudaram a voltar a sentir a sensação de liberdade que só o mar proporciona. Obrigada aos dois, ganharam um espaço no meu coração.

 

6 de agosto de 2013

Somos as duas faces da mesma moeda.

Nunca tinha lido nada do Paulo Coelho.

Apesar de me cruzar todos os dias com frases dele - com as quais nem discordo, é um facto - e apesar de estar rodeada de tanta gente que já o leu, nunca me tinha sentido particularmente atraída pela escrita deste senhor.

Confesso que tanta espiritualidade, tanta conversa com Deus junta, me mantinha afastada. Para além daquele ar de actor de cinema, que também sempre mexeu com o meu sistema nervoso. E não tem a ver com ser um escritor comercial, porque sempre li de tudo.

Mas, continuando. Em Junho, quando se confirmou a cirurgia da minha mãe, e uma recuperação de 1 a 2 meses, decidi pedir alguns livros a 2 ou 3 amigas para a ajudar a passar o tempo. No fim, acabámos por trocar livros entre nós. Eu emprestei os que tinha cá em casa, elas os que tinham nas delas. Saiu mais barato, o que nesta altura de crise, faz todo o sentido.

Entre os vários títulos que me chegaram estava o “Demónio e a Senhorita Prym”.

Escrito em 2000, este livro conta a história de um homem que passa por uma das maiores provas que o ser humano pode enfrentar: empresário de sucesso, vendedor de armas, vê mulher e filha serem raptadas e mortas por terroristas. Mortas pelas armas que ele próprio vende. Mortas pela indústria que ele lidera.

Consumido pelo ódio, decide tentar entender a essência humana. O que nos leva a tomar a decisão certa ou a decisão errada. O que separa o Bem e o Mal. Qual a fronteira que separa um e outro. E, acima de tudo, tentar perceber se os dois podem viver ,e conviver, numa só pessoa.

Decide, para isso, viajar até Viscos, um vilarejo com poucos habitantes, todos eles honestos e trabalhadores. E, por isso mesmo, pô-los à prova. Um crime, um homicídio em troca de barras de ouro que trariam a eterna estabilidade e prosperidade económica a todos os que vivem naquele pequeno lugar perdido no mundo. O Padre, o Perfeito, a mulher deste, o ferreiro, a dona do hotel. A jovem Chantal, que acalenta o sonho de um dia sair dali, e a Berta, a velhota que passa as horas sentada numa cadeira à porta de casa, curiosamente à espera de ver, um dia, o Mal a entrar na sua vila de sempre. O que acaba por acontecer.

Toda a trama se desenrola num cenário onde a honestidade e a ganância são rainhas. Num cenário onde nos confrontamos com o passado de algumas personagens que nos ajuda a perceber as atitudes que tomam no presente. E como o passado de uns pode dar cabo do futuro de tantos.

 
É ali, naquele lugar esquecido, que se dá a luta do Bem contra o Mal. Mas, calma, não se preocupem que não conto o fim. Não vos quero estragar o prazer de viverem o final da história.
Voltemos ao autor. Como vos disse, nunca tinha lido nada dele. No meio da pilha de livros que me emprestaram, vinha este. Não lhe peguei logo. Antes li outros.

Até que a minha mãe comenta que o tinha tentado ler mas que não tinha conseguido passar da página 30. “Demasiado espiritual, não sei…não me prende, não tenho paciência”.

Aquilo deixou-me curiosa e decidi pegar nele. Li as primeiras páginas e, surpresa, só parei na última. Levei-o para a praia e li-o em poucas horas. Acontece-me sempre que me entusiasmo com as histórias.

Emocionou-me a forma como ali se confrontaram o Bem e o Mal. O Certo e o Errado.

Porque, de certa forma, me revi naquilo. Porque todos os dias, seja na minha vida profissional, seja na minha vida pessoal, nas relações que mantenho com quem me rodeia, tenho que tomar decisões. Porque, no fundo, eu, como acho que todos nós, sinto que tenho estes dois lados dentro de mim. O bom e o mau.
 
Quando somos confrontados com alguma situação e precisamos, naturalmente, de lidar com ela, por muito que tentemos, nem sempre conseguimos tomar o rumo mais certo. Todos os dias, eu diria até várias vezes por dia, somos levados a optar por um de dois caminhos. A tomar decisões. Infelizmente, nem sempre optamos pela melhor. Seja porque razão for, nem sempre optamos pela mais justa. Foi nisto que me revi.

E uma das frases que vou guardar do livro de Paulo Coelho é que “o Bem e o Mal têm a mesma face; tudo depende apenas da época em que cruzam o caminho de cada ser humano.” E esperar que consiga sempre distinguir um do outro.

Quanto ao autor, depois deste livro, talvez lhe dê outra oportunidade!