6 de março de 2013

“Devemos aceitar o que é impossível deixar de acontecer.”


“Marta, viste aquela notícia que deu ontem na televisão sobre uma possível cura para lesões medulares?”
“Junto envio imagem do tal aparelho, tipo robot, que encontrei na net e que consegue pôr um paraplégico em pé e a andar. Vê se te interessa!”

“Já ouviste falar daquele médico português que tira células do nariz e implanta na medula porque descobriu que a capacidade de regeneração das células nasais é grande e pode fazer o mesmo na medula?
“Dissera-me que em Israel é que é”. “A mim foi em Cuba”.

Foi assim durante muito tempo e, curiosamente, ainda hoje, 23 anos depois, isto acontece. Com menos frequência, mas acontece.
É bom sinal, eu sei. É sinal que os meus amigos, que eu sei que gostam de mim assim, continuam, no entanto, atentos a tudo o que aparece de novo para me verem a andar. Para alguns, muitos deles, seria mesmo a primeira vez.

É bom sinal e eu agradeço sempre, de coração. Que fique claro.
No primeiro ano de acidente, depois do período inicial de internamentos em hospitais – que penso que terminou em Agosto – lembro-me que os meus pais me perguntaram se eu queria parar um ano para me dedicar apenas à fisioterapia. Ou se preferia partilhar o meu tempo entre isso e continuar na escola. Optei pela segunda hipótese. A ideia de centrar toda a minha atenção apenas na recuperação, parar durante um ano e afastar-me de tudo, não me agradava.

Nos 3 ou 4 primeiros anos após acidente, fui a todas. Fisioterapia em Alcoitão, depois fora dele, em centros especializados. Também em casa. Homeopatia, acupunctura. Voei até Londres. Onde me disseram que o tratamento para casos como o meu estava “em ratinhos e pode demorar 10, 20, 30, 40 anos. Ou, simplesmente, nunca acontecer.” E acrescentaram no relatório, por escrito “que o essencial seria manter o espírito positivo” que já à época mostrava ter. Isso consegui.
Depois destes primeiros anos, senti uma necessidade de mudança dentro do meu coração. Que me levou a tomar uma decisão. Já estava farta da fisioterapia. Já nem a fazia de jeito. O que era um facto é que pouca ou nenhuma recuperação tinha havido. E eu sentia isso como ninguém. Estava na hora de parar.

Mas, durante esses primeiros anos, uma coisa tinha acontecido. Num ambiente sempre cheio de esperança, tinha-me habituado a viver numa cadeira de rodas. E a viver feliz. Percebi que o tempo que “gastava” em horas de fisioterapia com o objectivo de recuperar, me estavam a “roubar” tempo com amigos. Tempo de torradas no Continental, o café ao lado da faculdade. Tempo de passeios pelos jardins da Gulbenkian com os meus colegas da altura. Tempo "normal" da minha idade. Tempo de vida. Tempo a viver.
Por isso decidi abrandar o ritmo e retomar a minha vida normal. À vida normal de uma miúda de 18 ou 19 anos, que tudo o que queria era o que qualquer outra miúda dessa idade poderia querer. Estudar, sair à noite, aproveitar a adolescência. Uma decisão que foi claramente compreendida e apoiada pela família. Sabiam que só assim eu poderia ser feliz.

E, assim, segui a vida e cheguei aos dias de hoje. Com montanhas de obstáculos pelo meio, mas cheguei. Com montanhas de cicatrizes, uma literais outras não, hoje fechadas, mas cheguei.
Agoro volto às citações iniciais, para tentar apenas que compreendam algo que para muitos sei que é algo difícil de compreender. Ou mesmo impossível.

Neste momento da minha vida, e depois de tudo o que passei, ultrapassei e conquistei, nenhuma hipótese de tratamento que visesse “do outro lado do mundo” me faria parar e ir, sem saber sequer quando voltava. Neste momento da minha vida, e depois de tudo o que passei, ultrapassei e conquistei, nada me faria afastar-me das pessoas que amo, do trabalho que adoro, da vida que escolhi, para ir “experimentar”/tentar voltar a andar. Porque, lamento, mas não acredito que haja uma cura científica para a minha situação. E já há algum tempo que só sigo aquilo em que realmente acredito. No meu coração.
Já agora, quanto à tal hipótese do robot, que me voltaria a pôr em pé, percebi e agradeci a quem mo indicou. Mas a ideia de me tornar numa máquina estranha, aos meus olhos e aos olhos dos outros, está fora dos meus planos. Até porque máquina já eu sou. Quando acordo de manhã, me arranjo e saio de casa cheia de pica para trabalhar (vá, tem dias!) ou para me ir divertir. Mesmo num país que pouco pensa em mim em termos de acessibilidades. Mesmo num país que pouco ou nada me motiva para continuar a lutar por ele.

Tudo se resume a uma frase simples. Daquelas de apenas duas palavras: sou feliz. Mesmo assim, sentada.
E o resto são tretas. No fundo é como diz a senhora da música abaixo: eu sou o que sou.
 

2 comentários:

  1. Aceitar a partida que te foi pregada e seres Feliz, é uma lição de vida para todos nós. Obrigada

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  2. Simplesmente fantastica!! Continua a ser FELIZ!!!

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