“Marta, viste
aquela notícia que deu ontem na televisão sobre uma possível cura para lesões
medulares?”
“Junto envio
imagem do tal aparelho, tipo robot, que encontrei na net e que consegue pôr um
paraplégico em pé e a andar. Vê se te interessa!”
“Já ouviste falar
daquele médico português que tira células do nariz e implanta na medula porque
descobriu que a capacidade de regeneração das células nasais é grande e pode
fazer o mesmo na medula?
“Dissera-me que
em Israel é que é”. “A mim foi em Cuba”.
Foi assim durante
muito tempo e, curiosamente, ainda hoje, 23 anos depois, isto acontece. Com
menos frequência, mas acontece.
É bom sinal, eu
sei. É sinal que os meus amigos, que eu sei que gostam de mim assim,
continuam, no entanto, atentos a tudo o que aparece de novo para me verem a andar. Para alguns, muitos
deles, seria mesmo a primeira vez.
É bom sinal e eu
agradeço sempre, de coração. Que fique claro.
No primeiro ano
de acidente, depois do período inicial de internamentos em hospitais – que penso
que terminou em Agosto – lembro-me que os meus pais me perguntaram se eu
queria parar um ano para me dedicar apenas à fisioterapia. Ou se preferia
partilhar o meu tempo entre isso e continuar na escola. Optei pela segunda
hipótese. A ideia de centrar toda a minha atenção apenas na recuperação,
parar durante um ano e afastar-me de tudo, não me agradava.
Nos 3 ou 4
primeiros anos após acidente, fui a todas. Fisioterapia em Alcoitão, depois
fora dele, em centros especializados. Também em casa. Homeopatia, acupunctura. Voei
até Londres. Onde me disseram que o tratamento para casos como o meu estava “em
ratinhos e pode demorar 10, 20, 30, 40 anos. Ou, simplesmente, nunca acontecer.” E
acrescentaram no relatório, por escrito “que o essencial seria manter o
espírito positivo” que já à época mostrava ter. Isso consegui.
Depois destes primeiros
anos, senti uma necessidade de mudança dentro do meu coração. Que me
levou a tomar uma decisão. Já estava farta da fisioterapia. Já nem a fazia de
jeito. O que era um facto é que pouca ou nenhuma recuperação tinha havido. E eu sentia isso como ninguém. Estava na hora de parar.
Mas, durante
esses primeiros anos, uma coisa tinha acontecido. Num ambiente sempre cheio de
esperança, tinha-me habituado a viver numa cadeira de rodas. E a viver feliz. Percebi
que o tempo que “gastava” em horas de fisioterapia com o objectivo de
recuperar, me estavam a “roubar” tempo com amigos. Tempo de torradas no
Continental, o café ao lado da faculdade. Tempo de passeios pelos jardins da Gulbenkian
com os meus colegas da altura. Tempo "normal" da minha idade. Tempo de vida. Tempo a viver.
Por isso decidi
abrandar o ritmo e retomar a minha vida normal. À vida normal de uma miúda de
18 ou 19 anos, que tudo o que queria era o que qualquer outra miúda dessa
idade poderia querer. Estudar, sair à noite, aproveitar a adolescência. Uma decisão que foi claramente
compreendida e apoiada pela família. Sabiam que só assim eu poderia ser feliz.
E, assim, segui a
vida e cheguei aos dias de hoje. Com montanhas de obstáculos pelo meio, mas
cheguei. Com montanhas de cicatrizes, uma literais outras não, hoje fechadas, mas cheguei.
Agoro volto às citações
iniciais, para tentar apenas que compreendam algo que para muitos sei que é algo
difícil de compreender. Ou mesmo impossível.
Neste momento da
minha vida, e depois de tudo o que passei, ultrapassei e conquistei, nenhuma hipótese
de tratamento que visesse “do outro lado do mundo” me faria parar e ir, sem saber sequer quando
voltava. Neste momento da minha vida, e depois de tudo o que passei, ultrapassei e conquistei, nada me faria
afastar-me das pessoas que amo, do trabalho que adoro, da vida que escolhi, para ir “experimentar”/tentar voltar a andar. Porque, lamento, mas não acredito que haja uma cura científica para a minha situação. E já há algum tempo que só sigo aquilo em que realmente acredito. No meu coração.
Já agora, quanto
à tal hipótese do robot, que me voltaria a pôr em pé, percebi e agradeci a quem mo
indicou. Mas a ideia de me tornar numa máquina estranha, aos meus olhos e aos
olhos dos outros, está fora dos meus planos. Até porque máquina já eu sou. Quando
acordo de manhã, me arranjo e saio de casa cheia de pica para trabalhar (vá, tem
dias!) ou para me ir divertir. Mesmo num país que pouco pensa em mim em termos
de acessibilidades. Mesmo num país que pouco ou nada me motiva para continuar a
lutar por ele.
Tudo se resume a
uma frase simples. Daquelas de apenas duas palavras: sou feliz. Mesmo assim, sentada.
E o resto são tretas. No fundo é como diz a senhora da música abaixo: eu sou o que sou.
Aceitar a partida que te foi pregada e seres Feliz, é uma lição de vida para todos nós. Obrigada
ResponderEliminarSimplesmente fantastica!! Continua a ser FELIZ!!!
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